sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Purgatório.

Já imaginou como devemos parecer deformados, desfigurados, falhos e corrompidos próximos a perfeição dos anjos? Não vivemos apenas em danação contínua, por que não a sentiríamos se não conhecêssemos a paz e o prazer para comparar. Como pode sentir falta do brilho do sol quem nunca conheceu a luz?

Não existe uma saída fácil para os males do mundo. Sábios em todos os tempos e em todas as partes profetizaram o caminho para a felicidade - mesmo que virtual - optar por ser feliz. Tornar a si imune evitando os excessos dos prazeres. Viver em seu próprio limbo. Quanto menos comer, dormir, transar, tiver, desejar, admirar a si mesmo, sentir poder, ser amado, menos sentirá falta de tudo isso, por mais fome, privação, pobreza, incapacidade e por mais velho e enrugado que se fique.

Anular-se
Abster-se
Disciplinar-se

Nada disso é fácil, por que somos frágeis e viciados.
Nenhum viciado se cura.

sábado, 16 de agosto de 2014

Ecdise



Quando me tornei tão séria?

Eu mudei sem nem notar ou
sempre fui assim e nunca notei?

O fato é que não gosto.

Não me encaixo nesse molde,
essa roupa me sufoca
e o sapato me aperta.

Sinto falta de parte de mim
algo que caiu no caminho até aqui.

uma certa alegria inocente,
uma felicidade apenas por ser,
talvez parte de uma esperança.
talvez só o tempo.

É parte do plano da vida
que se perca tempo
procurando-a?

sábado, 28 de junho de 2014

Passado Factual

  Agora, sentando e olhando para o horizonte do meu passado, vejo tudo o que não foi e o que poderia ter sido. As oportunidades que estiveram nas minhas mãos e se foram com o vento, os amores que não vivi, as festas a quais não fui e as viagens que não fiz.
Vejo eu mesma sendo empurrada em uma dança tonta, desnorteada. Me assombra a ideia de ainda ser aquela mesma garota.
  Não posso mudar um segundo do passado factual, nem um piscar de olhos do que houve, mas posso mudar como vejo aquele passado nublado.
Posso focar nos raros momentos felizes, e nas boas experiências que tive. Posso me moldar e me afastar da imagem da jovem tola que fui. Posso desenhar o futuro para não cometer os erros do passado.
 Agora, sentando e olhando para o horizonte do meu passado, vejo tudo o que fiz e penso em tudo o que farei melhor.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

Corrupção.

Palpitava o coração e enrubescia a face.

Envenenado pelo orgulho e ciúme
o amor entrava em guerra contra si.
Se destruía, se comia, o amor enlouquecia.
Corrompia-se no mais puro e destilado ódio.

As palavras doce e promessas se converteram 
num amargo vômito de ofensa e ameaças
que subia a garganta descontroladamente.

As unhas queriam arranhar a pele.
A boca desejava a língua alheia.
As pernas ansiavam pelo encontro.

Não mais pelo desejo, mas pela ira.
para fazer sangrar, para separar e esmigalhar
o que um dia foi objeto de afeição.

As mãos tamborilavam ansiosas por tocarem a face do outro, 
num punho cerrado com toda força que permitisse a física.

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Não se pode dizer que era tarde, e que tudo acabaria.
Não acabaria tão cedo.
O amor estava louco, mas não morto.

quinta-feira, 12 de junho de 2014

Poesia Metalinguística.

Todo sentimento que ponho em verso
duvido três vezes, até quatro.

Se deixo de lado, me perturba pra não dormir.
se não sair dos meus dedos minha mente não vai fluir.

Mas ainda assim, duvido.
Duvido mais cinco ou seis vezes.

Quem sou eu pra escrever?
Quem vai ler?

Mas não dá.
Assim como as vezes eu acabo falando sem pensar,
os dedos deslizam e vão saltando na tela:

palavras que vão tecendo a mente confusa,
desembolando a bagunça.

Uns versinhos rimados
que roubam as palavras do sussurro ao amado.

Escrevo em vão, mas meio que sem opção, vão me sobrando palavras
e como fico com dó de as jogar fora, as arrumo em fileiras.

Escrevo em poesia por que a prosa é por demais complexa
para sentimentos tão destilados como os meus.



Tempo relativo e Degradação

Eu vi uma senhora de meia idade.
40, 50, 60 anos? não sei.
Pele manchada pelo tempo
sem viço ou brilho.
Os olhos fundos de cansaço
de quem madrugou muitas noites.
a baixo a boca que já não sorri como antes.
E assim como a ausência de energia, nota-se,
um conformismo seco em seu olhar.

Mas estava lá escondido
o mesmo risinho desdenhoso,
pronto para saltar.

Faculdade, devolva minha vida.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Terapia

- Doutora, eu estou vendo coisas.
- Que tipo de coisas?
- Coisas que não deviam estar ali, sabe. Coisas que não deviam existir.
- Mas para você elas existem, não é?
- Quem dera fosse só pra mim.
- Isso está atrapalhando a sua vida?
- Você nem imagina como. Elas me dizem como tenho que me vestir, o que comer, como me comportar, como usar meu cabelo, com quem eu falo, onde vou e que horas.
- E quando isso começou?
- Eu não me lembro bem, eu ainda era muito pequena. Até os meus brinquedos eram essas coisas que escolhiam. Eu rezava para que me dessem outras coisas, mas nunca aconteceu. Eu achava que quando eu crescesse ia passar, mas só piorou. Tá em todos os cantos. Hoje mesmo mais cedo, eu estava cansada, chateada, puta da vida. Mas essas coisas ficavam me dizendo para sorrir. Eu não aguento mais, doutora! Por favor, me dopa e me dá uma passagem só de ida para o país das maravilhas.
- Não é assim que funciona, é muito cedo para te medicar. Precisamos trabalhar mais nisso.
- Doutora, fica pior a cada dia. Quantas sessões ainda?
- Não dá pra dizer. Me fale sobre sua família, ela sabe sobre isso?
- Claro que sabem. Eles dizem que eu sou louca, que não tem nada ali. Eu as vezes me arrependo de ter contado pra eles. Você nem imagina como minha mãe chorou e meu pai, meu pai quis me internar na hora.
- Eles te internaram? Não, uma tia minha conversou com meu pai, disse que era só uma fase, que ia passar logo.
- Eu acho que já acabou o tempo. Vou estudar a fundo o seu caso. Até lá você pode tomar 0,25 mg de alprazolam, três vezes ao dia, só para reduzir um pouco sua ansiedade, ok?
- Ok, obrigada doutora, até semana que vem.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Noite

As lâmpadas brilham como estrelas
transformando o cimentado triste
em reflexo da perfeição do firmamento.

A pólis decadente encontra no escuro
o doce reconforto dos amantes,
que perdidos em suas ruas
contemplam a esperança na pálida luna.

Ébrios bebem o seu vazio
gritando sentimentos despedaçados
em suas mudas esquinas.

Poetas insones escrevem
a beleza das coisas vistas e não vistas
sob o véu negro que veste a cidade.

A estas criaturas pertence a noite,
Sorte de quem pode ser os três.