quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A Estrela - Manoel Bandeira

 Vi uma estrela tão alta,
 Vi uma estrela tão fria!
 Vi uma estrela luzindo
 Na minha vida vazia.

 Era uma estrela tão alta!
 Era uma estrela tão fria!
 Era uma estrela sozinha
 Luzindo no fim do dia.

 Por que da sua distância
 Para a minha companhia
 Não baixava aquela estrela?
 Por que tão alto luzia?

 E ouvi-a na sombra funda
 Responder que assim fazia
 Para dar uma esperança
 Mais triste ao fim do meu dia.
                               (Manoel Bandeira)

(achei perfeita para a situação de alguém que conheço)

terça-feira, 18 de dezembro de 2012

Seguindo

A vida segue.
Não me deu tempo para digerir os fatos.
Os empurrou pela minha garganta, quase engasguei.

Ela quer me mostrar tanta coisa,
e há tanto pra se ver.

Puxa meu braço com força,
minha cabeça dói e não consigo pensar direito.

Por que ela está com tanta pressa?
Não somos 'tão jovens',
não 'temos todo tempo do mundo'?
Não. Não somos e não temos.

Ela quer meu bem, eu sei.
mas não estou no mesmo ritmo que ela,
não sou tão rápida,
 e acabo esbarrando em algumas coisas.

Vida, por favor, um pouco mais devagar.

quinta-feira, 13 de dezembro de 2012

Doce dois mil e doze.

Mais um ano se despede.
deixa sonhos em aberto
e amores em vão.

Deixa doze meses de angustia
doze de desespero.
doze do doze do doze
doze de dois mil.

01- Deixa lembranças já gastas
02- O mundo apavorado
03- Uma guerra eminente
04- Uma esperança rejeitada
05- Um medo abandonado
06- O povo descontente
07- Uma menina revoltada.
08- Um dente arrancado
09- O dinheiro mal gasto
10- O avô enterrado
11- Um sonho quebrado
12- E a dor que não passa.

por que destruir o palácio de areia da esperança,
com tanto esmero arquitetado no coração dos sonhadores?


quarta-feira, 12 de dezembro de 2012

Embuste

Tanta vida, juventude e energia,
tudo a se perder na tela branca
que ilumina o pequeno quarto.

Os dias não retornarão,
a beleza e inocência, tão pouco.

Por que deixar partir assim,
algo tão precioso,
que dinheiro algum pode pagar?

Deixar-se cair na armadilha.
Tão tentador, tão brilhante,
tão óbvio embuste.

Sinta o amargo gosto do desperdício,
a falta do toque das mãos de quem se ama.
Sinta a angústia dos sonhos deixados
em troca do prazer imediato.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Júlia - parte 2

  Júlia nunca conheceu o amor. Nem de seus pais, nem de amigos e nem de homem algum. O casamento dos seus pais foi algo 'conveniente': ele garantiria estabilidade e ela era um lindo e caro troféu para se exibir. Deles nunca recebeu muita atenção, Seu Otávio sempre estava fora, e Dona Carmem sempre ocupada. As poucas vezes que falavam algo a ela, eram reclamações, pedidos de silêncio ou algo para ela fazer.

  Como sempre foi tímida, nunca fez grandes amizades nem na escola, nem no curso normal. Lembrava-se de gostar de um rapaz, que encontrava em festas para quais os pais a arrastavam. Ele era muito simpático e quando sorria para ela, o sol parecia brilhar mais forte e seu rosto aquecia. Ele era noivo, mas não importava, a única coisa em que ninguém podia mandar sobre ela, era no que sentia.

Ela era bonita. Uma beleza comum, porém muito harmoniosa: olhos castanhos-escuros, cabelos lisos e muito negros, lábios finos,  pele um pouco manchada, e um lindo e delicado narizinho -Qual fazia as primas mais bonitas ficarem com inveja -. Não era um rosto de se guardar na memória, mas até bem agradável de se olhar. Chegou a conquistar alguns rapazes por seu jeito tímido e delicado, mas eles cansavam-se de não receberem resposta e partiam.

Um dia, com cerca de 19 anos, ela entrou sem bater no escritório de seu pai. Ele resolvia negócios com um jovem advogado, Augusto Guerra, que iria começar a representa-lo legalmente. Mal Augusto se virou para porta, seus olhos encontraram os dela e ele se apaixonou instantaneamente. Ela desviou muito rapidamente o olhar para o chão, pediu desculpas ao pai e se retirou da saleta.

  No sábado da mesma semana, havia um lugar a mais na mesa de jantar. Uma situação bastante desagradável para ela, que teve de passar desde a entrada até a o cafezinho esquivando-se dos cortejos do advogado. Que quando não estava em cima dela, estava a elogiar sua mãe, ou a falar prosopopéias ao seu pai.

  A cena se repetiu por algumas semanas, até que em certa noite de céu límpido, Augusto a levou para a varanda depois do jantar e propôs casamento. Júlia não sabia como reagir. Não poderia aceitar jamais, por que não o amava. Mas tinha medo de recusa-lo e sofrer retalhação dos pais, que a esse ponto já deixavam bem claro que faziam gosto dessa união. Então, vendo em Augusto um coração amável e compreensível, explicou a ele sua situação. "Júlia, amor vem com o tempo. Você não está é apaixonada por mim, mas tenho certeza de que um dia você irá." Ela continuou em silêncio procurando uma coluna para se apoiar. "Não me responda agora. Virei para o aniversário do seu pai daqui há duas semanas, até lá, pense sobre mim e converse com sua família."

  Quando contou para seus pais, eles sequer pensaram que ela poderia recusa-lo. O pai parabenizou a filha pelo excelente marido, e a mãe começou a imaginar detalhes sobre a cerimônia de casamento. Ela desistiu de contar que não respondeu. Foi para seu quarto e apesar de querer esquecer o assunto, só conseguia pensar nisso. Enfiou o rosto em uma das grandes almofadas de sua cama e desejou ter alguém que a ouvisse, uma amiga, um parente, qualquer um.

  Após muitos dias de reflexão silenciosa, estava resoluta em declinar a proposta, porém, durante a festa de aniversário de 54 anos de Seu Otávio, antes do bolo ser cortado ele anunciou, diante de todos os convidados, o noivado da filha. Quando ela tentou dizer a mãe que recusaria o pedido, a mãe a levou para dentro e lhe deu um tapa espalmado no rosto. "Como você ousa? Quer humilhar seu pai? Entristecer sua família? Se não pretendia casar com o rapaz, por que o seduziu? Sua sem vergonha! Volte pra lá agora, e vá receber os parabéns."

 Augusto a procurava do lado de fora, quando a viu era todo sorrisos e alegria. A abraçou forte e não cabia em si mesmo de tanto contentamento. Sentimentos que claramente não eram respondidos por Júlia, que passou todo o resto da comemoração calada.