quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Júlia - parte 2

  Júlia nunca conheceu o amor. Nem de seus pais, nem de amigos e nem de homem algum. O casamento dos seus pais foi algo 'conveniente': ele garantiria estabilidade e ela era um lindo e caro troféu para se exibir. Deles nunca recebeu muita atenção, Seu Otávio sempre estava fora, e Dona Carmem sempre ocupada. As poucas vezes que falavam algo a ela, eram reclamações, pedidos de silêncio ou algo para ela fazer.

  Como sempre foi tímida, nunca fez grandes amizades nem na escola, nem no curso normal. Lembrava-se de gostar de um rapaz, que encontrava em festas para quais os pais a arrastavam. Ele era muito simpático e quando sorria para ela, o sol parecia brilhar mais forte e seu rosto aquecia. Ele era noivo, mas não importava, a única coisa em que ninguém podia mandar sobre ela, era no que sentia.

Ela era bonita. Uma beleza comum, porém muito harmoniosa: olhos castanhos-escuros, cabelos lisos e muito negros, lábios finos,  pele um pouco manchada, e um lindo e delicado narizinho -Qual fazia as primas mais bonitas ficarem com inveja -. Não era um rosto de se guardar na memória, mas até bem agradável de se olhar. Chegou a conquistar alguns rapazes por seu jeito tímido e delicado, mas eles cansavam-se de não receberem resposta e partiam.

Um dia, com cerca de 19 anos, ela entrou sem bater no escritório de seu pai. Ele resolvia negócios com um jovem advogado, Augusto Guerra, que iria começar a representa-lo legalmente. Mal Augusto se virou para porta, seus olhos encontraram os dela e ele se apaixonou instantaneamente. Ela desviou muito rapidamente o olhar para o chão, pediu desculpas ao pai e se retirou da saleta.

  No sábado da mesma semana, havia um lugar a mais na mesa de jantar. Uma situação bastante desagradável para ela, que teve de passar desde a entrada até a o cafezinho esquivando-se dos cortejos do advogado. Que quando não estava em cima dela, estava a elogiar sua mãe, ou a falar prosopopéias ao seu pai.

  A cena se repetiu por algumas semanas, até que em certa noite de céu límpido, Augusto a levou para a varanda depois do jantar e propôs casamento. Júlia não sabia como reagir. Não poderia aceitar jamais, por que não o amava. Mas tinha medo de recusa-lo e sofrer retalhação dos pais, que a esse ponto já deixavam bem claro que faziam gosto dessa união. Então, vendo em Augusto um coração amável e compreensível, explicou a ele sua situação. "Júlia, amor vem com o tempo. Você não está é apaixonada por mim, mas tenho certeza de que um dia você irá." Ela continuou em silêncio procurando uma coluna para se apoiar. "Não me responda agora. Virei para o aniversário do seu pai daqui há duas semanas, até lá, pense sobre mim e converse com sua família."

  Quando contou para seus pais, eles sequer pensaram que ela poderia recusa-lo. O pai parabenizou a filha pelo excelente marido, e a mãe começou a imaginar detalhes sobre a cerimônia de casamento. Ela desistiu de contar que não respondeu. Foi para seu quarto e apesar de querer esquecer o assunto, só conseguia pensar nisso. Enfiou o rosto em uma das grandes almofadas de sua cama e desejou ter alguém que a ouvisse, uma amiga, um parente, qualquer um.

  Após muitos dias de reflexão silenciosa, estava resoluta em declinar a proposta, porém, durante a festa de aniversário de 54 anos de Seu Otávio, antes do bolo ser cortado ele anunciou, diante de todos os convidados, o noivado da filha. Quando ela tentou dizer a mãe que recusaria o pedido, a mãe a levou para dentro e lhe deu um tapa espalmado no rosto. "Como você ousa? Quer humilhar seu pai? Entristecer sua família? Se não pretendia casar com o rapaz, por que o seduziu? Sua sem vergonha! Volte pra lá agora, e vá receber os parabéns."

 Augusto a procurava do lado de fora, quando a viu era todo sorrisos e alegria. A abraçou forte e não cabia em si mesmo de tanto contentamento. Sentimentos que claramente não eram respondidos por Júlia, que passou todo o resto da comemoração calada.


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